quinta-feira, 8 de março de 2012

Carta da Vítima

A SOCIEDADE BRASILEIRA DE VITIMOLOGIA,
no DIA DA LUTA CONTRA A INJUSTIÇA,
tendo em vista seus propósitos culturais, científicos e sociais,
na permanente busca da igualdade de direitos entre os homens,
com o objetivo de erradicar todo e qualquer processo de vitimização e,
considerando a necessidade do império da justiça entre as nações;
considerando a terrível desigualdade social entre pessoas, grupos e povos;
considerando o vertiginoso crescimento do processo vitimizatório dos poderosos sobre as classes menos privilegiadas:
R E S O L V E   R E P U D I A R:
1º O sistemático desrespeito aos direitos fundamentais do homem, consagrados no seu direito “à vida, à saúde, à liberdade, à segurança e à propriedade”, afrontados, diariamente, no foco da indiferença, quando não, da conivência do poder público e de grande segmento da sociedade civil;
2º O fisiologismo político de nossos governantes, sempre em seus interesses pessoais ou partidários, ao descaso do encaminhamento de soluções aos problemas sociais,  notadamente das classes menos favorecidas;
3º A indiferença da sociedade diante do tratamento desumano dispensado em hospitais, asilos ou casas de saúde, contra  a criança e adolescente de rua, pessoas idosas, doentes, mendigos, famintos e desabrigados, sob o olhar complacente das autoridades competentes;
4º As condições em que são submetidos aqueles que cumprem pena privativa de liberdade nas penitenciárias ou delegacias policiais, à margem da lei e do respeito ao direito do preso proclamados pela ONU e pela consciência dos povos civilizados;
5º A tortura, por agentes do poder público, contra pessoas suspeitas de crime, culpadas ou inocentes, a pretexto da busca da verdade, praticada diariamente, sob o olhar impassível de quem de direito;  a violência praticada nas ruas, favelas, no campo, nas repartições públicas e particulares, nas sedes de governos,  em todos os níveis, por parte de agentes criminosos, sob o pálio da impunidade;
6º O trabalho escravo na cidade e no campo aos “sem terra”, “bóias-frias”, posseiros, índios; o desemprego; o subemprego; o baixo salário das classes trabalhadoras; as péssimas condições de vida da maioria da população de nossa comunidade nacional;  a fome de milhões de seres humanos e o desperdício de alimentos;
7º O desvio criminoso do dinheiro do povo, para salvar o interesse excuso de poderosos banqueiros; a escravidão imposta à criança e ao adolescente, que se tornam vítimas do uso e do tráfego de drogas ilícitas, bem como sua exploração sexual, sobretudo quando praticada pelos próprios familiares;
8º O analfabetismo, o abandono de nossas escolas, o baixo salário dos professores, o deficiente acompanhamento intelectual e psicológico  dos alunos;
9º Os falsos profetas de determinado segmento da  mídia, deturpadores da opinião pública, maculadores da honra de pessoas dignas e deformadores da consciência da coletividade;
10º Por fim, repúdio à falta de acesso do povo humilde na busca de seus direitos através da Justiça, face ao seu estrutural e histórico distanciamento das classes menos privilegiadas e de seu proverbial descompromisso com a solução dos problemas sociais.
FACE A TANTO, RESOLVE:
Art. 1º Fica decretado que, a partir de hoje, seja revogado o processo de vitimização entre todos os homens;
Art. 2º Fica decretado que as crianças, pobres e ricas,  brancas, vermelhas, negras e amarelas, poderão estudar juntas na mesma escola, rezar juntas no mesmo templo, correr com a mesma alegria, pelos jardins e campos do mundo inteiro, receber presentes em todos os natais e não poderão mais ser exploradas, maltratadas e assassinadas;
Art. 3º Fica decretado que as pessoas idosas poderão sorrir como todos os demais seres humanos felizes e que a sua velhice seja  reconhecida  como uma conquista na vida e jamais um sinal de decadência;
Art. 4º Fica decretado que o homem é o senhor da terra e não seu escravo e que todos os homens possam contribuir para sua grandeza e para sua perenidade, na medida em que todos tenham os mesmos direitos sobre ela;
Art. 5º Fica decretado que aquele que errou tenha mais direito ao perdão, à compreensão e à ajuda do que aquele que nunca o fez, e que, no cumprimento de sua pena, possa ser tratado como um ser humano, porque somente aquele que errou tem o direito ao perdão;                  
Art. 6º Fica decretado que não haja mais vítimas de qualquer ato criminoso, quer entre pessoas, grupos ou povos, mas que passem, a partir de agora, a respeitar-se mutuamente e se conduzirem como pessoas, grupos ou povos civilizados;
Art. 7º Fica decretado que, em casa ou nos hospitais, os doentes passem a receber toda atenção, carinho e respeito de seus familiares, amigos e de todo e qualquer profissional da saúde;
Art. 8º Fica decretado que, daqui por diante, todas as raças, todos os credos, todas as ideologias políticas ou religiosas, todos os povos de esquerda, de direita, de centro ou de periferia, se assentem em torno de uma mesma mesa e partam, como companheiros, o pão da fraternidade universal;
Art. 9º Fica decretado que a natureza, reino mineral, vegetal ou animal, céu, mar e terra, não terão mais medo do homem, porque este, finalmente, reconheceu a necessidade de respeitá-los, amá-los e protegê-los;
Art. 10º Finalmente, fica decretado que, a partir de hoje,  DIA CONTRA A INJUSTIÇA, não haja mais vitimizadores, nem vítimas e que a injustiça seja definitivamente erradicada do coração do homem, e que, em seu lugar, se implante o reino do amor, da concórdia e da Justiça.
Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1996.
Heitor Piedade Júnior
PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Carta da Vítima. In Vitimologia em Debate II. Heitor Piedade Júnior, Eduardo Mayr e Ester Kosovski (coords.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p.199-202.

Um comentário:

  1. Tenho estudado vitimologia e me aprofundado no assunto. É importante salientar que parte desses infortúnios que assolam homens e mulheres, ainda é reflexo do sistema de colonialismo patriarcal imposto nos séculos anteriores e, atualmente, integrado com o capitalismo mutante predador. Neste sentido, a Carta da Vítima é um grito em meio a uma escuridão com poucas luzes. Observei também uma falha nessa carta. A palavra mulher não aparece. Sugiro que no art. primeiro do título "Face a tanto resolve:" seja colocado a palavra mulher ou ser humano, bem como no art. quarto do mesmo título. Veja que o Brazil (com "z" mesmo) ocupa a sétima posição de homicídios femeninos entre 84 países, de acordo com o Mapa da Violência 2012 e isto sem as cifras negras e fora outros tipos de violências praticadas contra as mulheres. Infelizmente somos um dos países mais violentos contra as mulheres ou deveria dizer genocídio?. É lastimável!

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